Naquele tempo, faz nove anos, cercado de fariseus, um pastor passou pela Avenida Constantino Nery, em Manaus e ouviu uma voz que dizia: "Em verdade, em verdade vos digo: quem cria inferno, merece inferno". Ele nem suspeitou que aquela fala era do Cramulhão que disfarçava a voz e procurava imitar Jesus (Taquiprati, cap. 5, versículos 3-12).
O pastor, cujo nome é Aroldo Teles de Oliveira, decidiu, então, erguer ali um templo da Igreja Evangélica do Avivamento Jesus é o Caminho, bem encostado na residência de Roberto Sá Gomes, o Betão, que inicialmente se alegrou com a notícia, feliz de poder ter como vizinho um lugar de oração, de canto, de louvação ao Senhor. Ele pensava que seria vizinho do sagrado. Mas foi enganado também pelo Coisa Ruim.
Aquele lugar transformou a vida de Betão, de seus familiares e de todos os vizinhos num verdadeiro inferno. É que o pastor Aroldo, inspirado pelo Capiroto, acha que Deus é surdo. Daí, usa poderosos aparelhos eletrônicos de amplificação sonora, berrando, urrando, ululando, produzindo ruídos ensurdecedores através de alto-falantes que são prejudiciais à saúde e ao sossego público.
Betão, que mora há 36 anos naquela casa, está comendo a macaxeira que o diabo cozinhou, ele, seus familiares e os vizinhos, alguns dos quais enfrentam sérios problemas de saúde - otite aguda, insônia, hipertensão, cardiopatia. Nos últimos nove anos, sua vida se transformou num inferno. No início, tentou negociar com o pastor para baixar o volume e agendar horários que não molestassem tanto, mas o pastor permaneceu inflexível e intolerante.
Pode, Arnaldo?
Pode buzinar no ouvido dos outros, Arnaldo? Não. A regra é clara, a Lei 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, define a poluição, inclusive a sonora, como um crime que degrada a qualidade ambiental. Mas em verdade, em verdade vos digo, o pastor Aroldo está se lixando para a a Lei.
A coisa piorou ainda mais nos últimos seis meses. É que a partir de abril do corrente ano, o pastor decidiu construir um novo templo, desta vez do lado direito da residência do Betão, fazendo um sanduíche de avivamento de sua família. Não existe projeto de construção, nem tratamento acústico, nem licença de corpo de bombeiros, nem tratamento de água e esgoto, conforme os documentos comprobatórios que foram encaminhados aos órgãos competentes (IMPLURB, SEMMAS) exibidos na Justiça pelo Betão.
Vários abaixo-assinados foram encaminhados pela vizinhança, que já não suporta mais o som estridente e perturbador que invade as madrugadas, aumentado agora com o barulho das obras, pois os trabalhadores só param quando é chamado o policiamento do Ronda nos Bairros. O pastor Aroldo já foi até preso em flagrante por poluição sonora, mas no dia seguinte, liberado, volta a berrar, a urrar, a ulular, abusando do alto-falante.
Diante das reclamações, Aroldo confunde propositalmente a questão, dizendo que é perseguido pelos vizinhos, que estão pactuados com o demônio e querem impedir a livre manifestação religiosa garantida pela Constituição. Orienta inclusive as crianças na igreja que passam a ver os vizinhos como pessoas malvadas, "o que me deixou muito triste - diz Betão - para quem o pastor "usa pessoas inocentes para fins obscuros".
- A mesma Constituição que consagra a liberdade de culto, garante o direito de todos a fruírem de um ambiente ecologicamente equilibrado.
Pássaro Azul
Roberto Sá Gomes, o Betão, é um músico conhecido e respeitado no Amazonas. Tocou violão no Conjunto Regional da Rádio Rio-Mar, convidado pelo seu diretor Erasmo Linhares. Depois, tocou com Os Diplomatas do Bairro do Céu em seguida o Blue Star que substituiu a banda The Good Boys, do Bairro de Educandos e, finalmente, o Blue Birds, a mais famosa banda de yê yê yê em Manaus, idolatrada pela juventude.
Esse artista já é um patrimônio vivo da cidade, uma referência da memória local, e não merece passar por esse constrangimento de ver sua cidadania pisoteada. Ele, que fez pós-graduação em Gestão Cultural na Fundação Getúlio Vargas, concilia suas atividades de músico com o trabalho de consultor cultural, em projetos no Conselho Municipal de Cultura da Prefeitura de Manaus, o que lhe permitiu organizar o maior banco de dados sobre o movimento cultural no Amazonas.
Existe um processo movido por Betão em andamento na Vara Especial do Meio Ambiente e Questões Agrárias, solicitando que a igreja use isolamento acústico na realização de seus cultos ou, se continuar na desobediência à lei, que seja imediatamente fechada. Mas sabe como é, a Justiça tarda demais. Ele escreveu recentemente uma carta ao prefeito de Manaus, Arthur Virgilio, pedindo a fiscalização da obra. Assino embaixo.
"Em verdade, em verdade vos digo: quem cria inferno, merece inferno". O pastor Aroldo, que seguiu os conselhos do Coisa Ruim, criou um inferninho na Constantino Nery. É por isso que quando morrer, ele vai direto pro inferno cheio de capirotos, como castigo por estar infernizando a vida dos vizinhos. No caminho, quando passar pelo purgatório, eu estarei lá e com um tridente vou espetar a bunda dele como castigo por desrespeitar os direitos da cidadania e sacanear com meu amigo Betão, seus vizinhos e familiares. Para mim, um Aroldo que nem sequer tem "H", não pode fazer o maior agá. Te orienta e te observa, Aroldo!
P.S. - fotos pirateadas do Blog PICICA do meu compadre Rogélio Casado.