“Muita gente acredita que ele bateu na esposa e querem se aproveitar disso. Mas eu conheço a alma dele. Ele não tem alma de quem faz isso”. A alma em questão é do vereador Raimundo Sabino (PFL vixe, vixe!), acusado de espancar a sua própria mulher no meio da rua. A defesa dele foi feita por um colega de partido, Amazonino Mendes, em reunião política com camelôs, quarta-feira, no Estacionamento Manaus Park, no centro da cidade.
Houve, porém, diagnóstico diferente. Socorro Papoula, do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher, encomendou um exame laboratorial dos fluídos bioquímicos da alma do Sabino. Uma junta médica examinou o invólucro do perispírito da dita cuja e concluiu que ela era truculenta, capaz de tudo. O laudo está assinado por dois conhecidos psicólogos clínicos da ULBRA, Narciso Freire Lobo e Paulo Freire Kokai
Com base nesse diagnóstico, as militantes feministas distribuíram, no dia seguinte, oito mil panfletos na praça da Matriz, acusando Amazonino de enganar os camelôs e de apoiar, com seu discurso, a agressão cometida por Sabino na frente de testemunhas. Elas vão processar o Negão por exercício ilegal da profissão, já que ele nunca estudou almalogia, não estando habilitado para avaliar almas de ninguém.
A opinião pública, atônita, se pergunta: afinal, quem tem razão? Os psicólogos clínicos ou Amazonino? Para esclarecer esse enigma, o Taquiprati procurou um centro espírita. Lá, marcamos uma entrevista exclusiva com a alma de Raimundo Sabino, à meia noite, em um terreno baldio, como costumava fazer Nelson Rodrigues com seus entrevistados, na presença de uma cabra vadia.
Almas gêmeas
A alma do Raimundo Sabino foi de uma pontualidade britânica. Seriozinho! Nem parecia amazonense. O relógio da praça da Matriz marcou meia noite. A nossa entrevistada entrou no terreno baldio, palitando os dentes e coçando o saco. Fez pose para as fotos, dando cotoco com o dedo entrando no buraco de uma urna, o que não deixou dúvidas sobre sua identidade.
Era uma alma cheia de manchas, como radiografia de pulmão gripado. Fez revelações sen-sa-cio-nais, confirmando que quem tem razão são os psicólogos clínicos. A primeira pergunta foi feita à queima-roupa:
- “Dona alma, é verdade que o Amazonino conhece a senhora muito bem?”. Ela acendeu um cigarro, deu uma baforada e soltou uma gargalhada mefistofélica:
- O Negão e eu somos duas almas gêmeas univetilinas, duas duplicatas do mesmo indivíduo. Se você der um beliscão na bunda da alma do Amazonino, dói na bunda da minha alma e vice-versa e versa-vice. Se eu der uma porrada em alguém, dói o braço da alma do Amazonino.
- Mas qual é o fundamento científico dessa sua afirmação?
- Meu caro, leia o Tratado de Obstetrícia do Resende, que é o papa no assunto. Lá, ele explica que almas que saíram da mesma placenta política, como a minha e a do Negão, são gêmeas verdadeiras, idênticas, foram criadas uma para outra, se buscam sempre que separadas. Os nossos destinos estão unidos para sempre. Por isso, ele me conhece melhor do que ninguém, sabe do que nós – eu e ele - somos capazes.
- Mas então como é que o Amazonino disse aos camelôs que a alma de Vossa Senhoria não é de nada, é uma alma frouxa, incapaz de sair na porrada com quem quer que seja?
A alma de Sabino ficou indignada, como se alguém duvidasse de sua coragem, chamando-a de covarde:
- Ora, meu caro repórter, se Amazonino disser que o papa é bicha, me diga lá, o papa é bicha, só porque ele disse que o papa é bicha? Cara, eu sou bom de briga, existem fotos e testemunhas comprovando isso. Verifica a conta telefônica do Chico Preto. O Negão negou a agressão, porque se eu me ferrar, aí ele, minha alma gêmea, também se trumbica. A declaração dele é política. Vai por mi. Conheço a alma do Negão.
Almas penadas
- Então, me diga: é possível comprar a alma de um juiz, de um desembargador, de um procurador ou de um jornalista, como declarou o Negão? Na bolsa de almas, quanto vale a alma de um juiz ou de um coleguinha da imprensa?
A alma do Raimundo foi enigmática:
- O segredo é a alma do negócio e o negócio é o segredo da alma, você me entende? A alma é uma centelha anímica, cuja aura, segundo Ramatis, é uma emanação da força colorida. Olhe para a aura dos juízes. Você verá auras com cores diferentes. Nos animais inferiores, aumenta a variação de cores, que mudam de acordo com o caráter do animal, com seu estado de honestidade ou venalidade, de coragem ou de medo.
- Não entendi.
- Não é mesmo pra entender. Saiba apenas que quanto mais inferior é o Espírito, mas apertado é o laço que o liga à matéria. A alma do animal, por exemplo, só pensa nos prazeres da matéria. Mas a alma que anima o corpo de um homem pode se nivelar a dos animais, se rebaixar ao nível deles.
- O senhor está querendo dizer que o preço da alma aumenta proporcionalmente ao grau de inferioridade do animal? É isso?
- Para por entendedor, meia aura basta.
- Mas não é o que pensa Sócrates. Ele diz que o que diferencia o homem de um animal é sua alma, que ele chama de psyché, ou seja, para Sócrates a alma do homem é sua consciência, sua personalidade intelectual e moral. Sócrates acha que o homem não deve cuidar exclusivamente do corpo e das riquezas materiais, porque a virtude não nasce do acúmulo de riquezas, mas do aperfeiçoamento da alma.
- Ora, pelo amor de Deus, não venha me falar de Sócrates que eu odeio os corintianos e os gaviões da fiel. Sou são-paulino, prefiro a alma do Raí.
- Dona alma, uma última pergunta: quando desencarnar do corpo do Raimundo, a senhora acha que vai pro céu, pro inferno, pro purgatório ou para o limbo, ou volta a se encarnar no corpo de algum vereador ou deputado federal?
- Sou alma gêmea do Negão, o meu destino é o dele, quero ver minha alma pretinha no inferno se estiver mentindo. Portanto, quem vai decidir nosso destino são as almas dos eleitores. Meu único medo é que o voto nas urnas nos transforme em almas penadas, em espíritos errantes, desencarnados, vagando pela terra em busca de um mandato e assombrando a população.
- E agora?
- Caga na mão e bota fora.
- Uma última declaração pro Taquiprati.
- Phoda-se o mundo que eu não sou Raimundo. Eu sou cabotino, univitelino, eu sou Sabino.
P.S. – A cabra vadia foi testemunha de que o referido é verdade e eu dou fé.
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