As grotescas presepadas de três imperadores romanos provocaram, historicamente, chacota, deboche e gozação. Nero, Calígula e Cômodo foram avacalhados por falta de desconfiômetro e senso do ridículo. A plebe ria pelas costas deles em todas as vielas e becos de Roma. Assim, rindo, a plebe ignara se vingava do sofrimento e da opressão. As gargalhadas se espalharam pelo norte da África, Cartago e Alexandria, atingindo Bizâncio, Macedônia e Gália. Até hoje, a gente continua rindo desse Festival da Besteira que Assolou o Império, conhecido como efe-bi-ai (FBAI).
Afinal, o que fizeram eles para ser objeto de tanto escárnio e zombaria? Calígula nomeou seu cavalo Incitatus como senador. Nero baixou um decreto, através do qual concedia a si mesmo a medalha Imperium Maius, do Comando Supremo, e determinava que fosse tratado, a partir daquela data, como Dominus et Divus – Senhor e Deus. Cômodo se auto denominou Hércules Romano, exigiu ser adorado como a reencarnação do filho do deus Júpiter e emitiu moedas em que aparecia com clava, arco, flechas e uma pele de leão. Assim, fantasiado de Hércules, carnavalizado, apareceu no Senado.
Por que homens poderosos se amesquinham tanto disputando farelos? Parece que essa mania por insígnias, medalhas, comendas e honrarias, historicamente insignificantes, é causada por um vírus conhecido como Microbius Babacorum, que ataca os deslumbrados com o Poder. Segundo o filósofo Sêneca, Babacorum qui se ipsum laudat, cito derisorem invenit, ou seja, os babacas que ficam se auto-homenageando, caem no ridículo. Seu colega Salviano observou que isso era um sinal de que o Império agonizava. Roma moritur, et ridet – ele escreveu, comentando que Roma morria, mortalmente ferida pelo deboche e pela gozação.
O Rubicão amazônico
A cidade de Manaus, nesse final de governo, assemelha-se a Roma no seu período de decadência. O governador Eduardo Braga acha que o rio Negro é o Tibre; o igarapé de Manaus, o Rubicão; o bosteiro onde ele desagua virou o Mar Adriático, e seu aliado, Adail Pinheiro, com o título de amicus princeps, é nada mais nada menos que o pro-consul da Gália Cisalpina. Ludere me putas, lector amicus? Pensas que estou brincando, leitor amigo? Então lê o Diário Oficial de 19/11/2008.
Lá, está publicado o Decreto 28.096, através do qual o governador Eduardo Braga, seguindo a linha política de Nero e Cômodo, resolveu se conceder uma comenda, a medalha Imperador Dom Pedro II. Para não dar bandeira – flamulam no dare – o decreto é assinado por Omar José Abdel Aziz, como governador em exercício, e pelos dois puxa-sacos José Melo Merenda, Secretário de Governo, e Raul Zaidan, chefe da Casa Civil, esse último contemplado também com uma medalha pelo decreto 28.097, que distribuiu medalhas para 28 autoridades civis e militares.
Eles se emedalham mutuamente e ficam todos emedalhados. É medalha que não acaba mais, distribuída entre eles mesmos ad pompam et ostentationem. Um dos contemplados é Lupércio Ramos, secretário de Juventude, Desporte e Lazer. Se romano fosse, Lupércius certamente seria nomeado senador, mas essa vaga vai ser disputada no tapa, dentro de dois anos, pelo próprio Dudu, que de qualquer forma fez com seu secretário aquilo que Calígula fez com Incitatus: rendeu-lhe uma homenagem.
Intrigado, o leitor se pergunta: qual o significado dessa medalha? Deixo que as palavras do próprio decreto respondam: “O governador do Estado do Amazonas, considerando a proposição do Conselho de Mérito Bombeiro Militar, com vistas a galardoar o dr. Eduardo Braga, governador do Estado do Amazonas, pelos serviços prestados ao Corpo de Bombeiro Militar do Amazonas, decreta: art. 1 – Fica concedida a Medalha Dom Pedro II ao Dr. Eduardo Braga, governador do Estado”.
Bombeiro pode apagar?
A medalha, portanto, é concedida para aquelas pessoas que prestaram serviços ao Corpo de Bombeiro. O que ninguém sabe é que diabos de serviços o Dudu, Lupércio, Raul Zadan e demais membros da lista prestaram aos bombeiros de Manaus. Apagaram incêndio? Consertaram cano? Mijaram em fogueira de São João? Prestaram algum tipo de socorro? Ah, leitor, hic culum cotiae sibilare, como dizia Nero, contemplando o incêndio que ele mesmo provocou em Roma. Ou seja, é aqui que o fiofó da cotia assovia, porque os serviços prestados pelos emedalhados constituem segredo de estado.
O repórter Tambaqui, com seu faro investigativo, descobriu, porém, quais foram esses serviços. Vocês sacam o Arnold Schwarzenegger, o exterminador do futuro que governa a Califórnia? Pois é, na semana que passou, ele assinou um acordo com o Dudu Braga, que prevê a possibilidade de investimentos na preservação ambiental da floresta amazônica, como forma de compensar as emissões de carbono, responsável pelo clima seco, que está provocando incêndios na Califórnia.
Epa!!! Eu falei incêndio? É isso aí, gente. A grande contribuição do Dudu Braga aos bombeiros foi assinar um acordo que pode evitar incêndios na Califórnia. Faz sentido. Com essa medalha, o comendador Dudu Braga, clonando o imperador Cômodo, pode se fantasiar de bombeiro ou gladiador, com um capacete metálico, caneleira, brasões e outros penduricalhos, e adentrar a Assembleia Legislativa do Amazonas. Pode também cunhar uma moeda com sua efígie em baixo relevo.
No dia da cerimônia de condecoração e entrega das medalhas, o repórter Tambaqui estará infiltrado para registrar as labaredas da fogueira de vaidades que nem bombeiro pode apagar porque o Calígula caboco, igual a Nero, esqueceu o provérbio latino: laus in ore proprio vilescit– louvor em boca própria é ato vergonhoso e infame.
E o Secretário de Cultura, Berinho Braga, que adora e coleciona medalhas, por que não foi condecorado com a medalha dos bombeiros? Se você entrar no Curriculum Lattes do Berinho, verá que ele tem 25 medalhas e condecorações (mais do que o Nero e o Calígula juntos), incluindo ai as medalhas da Polícia Militar, do 1º. Centenário do Duque de Caxias, do Bicentenário da Justiça Militar, do Mérito Tamandaré do Ministério da Marinha, do Mérito Judiciário do Estado do Amazonas, e dos Amigos do 2º. GEC. Dudu precisa fazer um terceiro decreto contemplando Berinho. Ele merece.
Cômodo, filho de Marco Aurélio, o Podrão e de Faustina, a Jovem, foi estrangulado pelo gladiador Narciso, numa banheira, a mando de sua amante. Calígula foi assassinado pela Guarda Pretoriana. E Nero se suicidou, depois de assassinar a própria mãe, dona Agripina. Esperamos, sinceramente, que os emedalhados do Império Amazônico tenham um fim menos trágico, embora todos eles, como nós, estejam condenados a bater as botas de forma nada gloriosa. A morte é o único bombeiro capaz de apagar o fogo de todas as vaidades. (E olhe lá! Tem algumas sepulturas no São João Batista que negam essa afirmação).