CRÔNICAS

Eleição municipal: How do you do, Dutra?

Em: 14 de Outubro de 1992 Visualizações: 1514
Eleição municipal: How do you do, Dutra?

.Good morning é a única expressão em inglês que dona Rosane Collor conhece e assim mesmo a pronúncia não esconde o sotaque carregado de Canapi: gúde mónin, bichinho. O atual ministro da Fazenda, Gustavo Krause, arranha ainda um gude náite. Já o marechal Eurico Dutra, presidente do Brasil (1946-1950), só porque consegue também grunir um good afternoon, estava convencido de que falava inglês fluentemente.

Por isso, quando Truman, presidente dos Estados Unidos visitou o Brasil, o presidente Dutra dispensou os intérpretes do Itamaraty. No aeroporto, Truman desceu do avião, apertou a mão do marechal e o cumprimentou:

- How do you do Dutra?

Dutra não pensou duas vezes e sapecou:

- How tru you tru, Truman?

Tudo bem, leitor (a) velho (a). Eu sei. Eu sei. A piada é velha, como nós, mas vale a pena ser lembrada para a nova geração composta pelo “cara pintada” de 16 anos, que não a conhece e que hoje, depois do primeiro turno das eleições municipais em Manaus, se pergunta:

- How do you do Dutra?

O primeiro voto é como o primeiro sutiã: a gente nunca esquece. E o segundo voto? Dutra e Amazonino: o que fazer? Alguém tem dúvida?

Pessoalmente, não enfrento este problema, porque mudei de domicílio eleitoral para o Rio. Votei na Benedita da Silva para prefeita e no Jorge Bittar para vereador, ambos do PT. Mas como amazonense, com o umbigo enterrado no Beco da Bosta, em Aparecida, confesso estar mais ligado nas eleições de Manaus, onde no primeiro turno cravei um “x” na proposta mais radicalmente transformadora que se apresentou. Minha cabeça e meu coração torceram pela Beth Azize: boa de briga, competente, honesta. Votei três vezes para vereador: Aloysio Nogueira, João Pedro e Praciano. Votaria também uma quarta em Nelson Fraiji, se ele fosse candidato.

Os “caras pintadas”, dona Elisa, minhas irmãs e eu estamos convencidos de que o programa defendido por Beth Azize e pelas forças políticas que a apoiam é o melhor para a nossa cidade. O diabo é que não conseguimos convencer a maioria da população oprimida e desinformada, tarefa essa que não se realiza da noite para o dia, inclusive porque nem sempre contamos com os meios necessários para executá-la. Quantas derrotas eleitorais sofremos no RJ e quantas lições delas extraímos, antes de dar Bené na cabeça?

Pois é, rapaz. O processo de educação política é mais demorado do que desejaríamos. A eleição é um episódio – importante – deste processo. A luta continua. Depende do nosso comportamento nesse segundo turno o avanço da educação política, nossa e dos demais eleitores. Depende do nosso comportamento, hoje, o resultado das eleições em 1994.

O que fazer? O melhor programa, do nosso ponto de vista, foi derrotado: Beth Azize não é mais candidata. Agora, é outra eleição. Temos apenas dois na disputa. De um lado, o atraso absoluto: o senhor do Castelo (PDC vixe vixe), “o homem mais rico do Amazonas”, com sua fortuna duvidosa acumulada à custa dos cofres públicos, da fome e da miséria do povo, com uma carreira política cimentada sobre a ignorância e a falta de informação.

A política, para Amazonino, representa não o trato da coisa pública, mas a obtenção de vantagens pessoais, com métodos de gângster, desestimulando o debate e a crítica. Ele representa o lixo que, a nível federal, foi varrido parcialmente com o desmantelamento da quadrilha do PC Farias e o impeachment do Collor.

Do outro lado, temos o José Dutra, ex-sindicalista, trabalhador atuante no movimento bancário, íntegro, competente, digno como o velho Ulysses Guimarães, de quem discordamos politicamente, mas cuja honradez nunca foi até agora colocada em dúvida. O Dutra, que costurou algumas alianças por nós questionadas, não pode ser comparado, nem de longe ao banditismo do seu concorrente e, por isso, merece o nosso voto no segundo turno.

A eleição em dois turnos é interessante porque permite, num primeiro momento, o voto ideológico e, num segundo, se o nosso candidato não passou, votamos naquele programa que mais se aproxima do nosso ou que com ele tenha algumas afinidades, embora raras.

Fiquei assustado com telefonemas de alguns leitores de Manaus, que decidiram votar nulo. Atribuo-o ao desencanto compreensível com os resultados do primeiro turno e à forma por vezes truculenta como foi conduzido a campanha. É um gesto emocional, mas que precisa ser transformado e racionalizado politicamente.

Os eleitores de Beth Azize não querem o PDC colorido no poder municipal. Mas anular o voto significa objetivamente escolher Amazonino, essa figura emblemática de tudo aquilo que combatemos.

Por isso, não há margem para ambiguidades. Precisamos definir com clareza, sem vacilo e sem medo, que vamos votar no Dutra, com consciência das razões desse voto. Se não pudemos derrotar Amazonino com Beth Azize, vamos derrotá-lo agora com Dutra. Enquanto grande parte do Brasil caminha na direção do resgate dos princípio éticos na política, Manaus não pode caminhar na contramão da História.

O voto em Dutra não se deve apenas ao fato de Amazonino ser podre e sujo, mas porque Dutra – a opção que nos restou – é limpo e honrado. Não porque Amazonino é incompetente, mas porque seu opositor é competente. Aliás, o ex-prefeito biônico vem com uma fome canina: vai querer recuperar dos cofres públicos cada centavo que gastou na campanha, com juros e correção monetária. Se ele ganhasse – não vai ganhar – saquearia a cidade de Manaus, não deixando pedra sobre pedra. Compraria – não vai comprar – mais cinco quilômetros de praia no sul do país.

Da mesma forma que os eleitores paulistas de Aloysio Nunes e Fábio Feldman, em São Paulo, votarão em Eduardo Suplicy, derrotando Maluf, nós votaremos no Dutra, disciplinada e coerentemente, sem que isso signifique adesão integral ao seu programa ou concordância com o leque de suas alianças.

O voto em Dutra servirá para cobrarmos dele, como prefeito, as transformações que Manaus necessita. Para criticá-lo, fiscalizá-lo, deixar o jogo político fluir e nos fortalecermos, aprimorar a educação política da população, combater o atraso da linguagem dos ranchos do Amazonino e para gritarmos com todas as forças de nossos pulmões, que Manaus não merece o banditismo do senador.

Já que Dutra usa palavras que não fazem parte do léxico coloquial corrente, diremos que sua candidatura é perfeitamente exequível e que haveremos de superar todos os óbices E bota óbice nisso).

Caras pintadas e despintadas de Manaus! Caras com vergonha! Temos de prolongar, nas urnas, o gesto generoso, sábio e alegre das ruas, assumindo plenamente nossa responsabilidade: AMAZONINO NÃO! ELE NÃO! Perguntem em inglês ao Dutra como vai sua campanha:

- How do you do Dutra?

P.S. – Uma leitora indignada me enviou cópia de um panfleto de cor amarela distribuído na av. Eduardo Ribeiro, antes do primeiro turno, com a crônica intitulada O Cecê do Amazonino. Compartilho sua indignação porque, por razões que não dependeram da minha vontade, estive ausente nas três últimas semanas e não pude declarar minha intenção de voto. Se fosse agora, não haveria problema. Fora Amazonino! Xô!

P.S. Este artigo foi publicado em 06/10/1992 com cortes de vários parágrafos. Depois de uma carta que enviei a Umberto Calderado Filho, que vai reproduzida abaixo, o  texto original foi republicado em 14/10/1992.

CARTA A UMBERTO CALDERARO FILHO

De: José Ribamar Bessa

Para: Umberto Calderaro Filho

Caro Umberto,

No nosso relacionamento, por vezes contraditório, sempre mantivemos uma atitude de respeito mútuo e até mesmo de afeto. Minha opinião nem sempre coincide com a do jornal. A Crítica, frequentemente, num exemplo de pluralismo e democracia, publicou o que penso, mesmo contrariando sua linha editorial, o que no meu entender, dignifica e fortalece este jornal.

Outras vezes, A Crítica deixou de publicar meus artigos, como ocorreu recentemente, o que, como é natural, gera uma insatisfação profissional. Mesmo assim, ainda que não concordando, tento me colocar na tua pele e compreender as razões dos interesses da empresa. Nesses casos, avalio e reavalio o papel da minha coluna e me reprogramo, buscando encontrar uma linha de convergência, com a confluência de interesses, onde o espaço possa ser usado de forma inteligente, atendendo ao que penso, sem ferir a rede relações de A Crítica, compatibilizando-a com meus princípios.  

Ambos temos dado provas de tolerância, de compreensão e de negociação, não é verdade? Agora, pela primeira vez nesses últimos 15 anos de convivência, ocorreu algo que considero extremamente grave: meu artigo publicado no dia 06/10/1992 intitulado How do you do, Dutra, foi criminosamente mutilado.

Leitores amigos me telefonaram, sem saber do corte, protestando contra a publicação. Eu, sem saber do corte, defendi o artigo. A mutilação foi criminosa porque os meus leitores têm as suas expectativas sobre as crônicas e eu tenho as minhas sobre a conduta do jornal. Ambas foram violadas. Tudo isto ocorreu num contexto em que fiquei 21 dias emudecido, no período que antecede às eleições municipais e onde não pude manifestar minha opinião.

Você sabe muito bem, amigo Umberto, que o que me move a escrever não pode ser o salário, que é inexistente – e apenas nesse sentido não sou profissional. Minha sobrevivência e a de minha família sempre foi garantida pelo meu salário de professor concursado. Política, jornalismo e sexo, não faço por dinheiro. Faço por amor. Escrevo por prazer e pelo convencimento (ou talvez a autoilusão) de que posso contribuir para o pensamento e a reflexão dos leitores, para o debate das questões regionais e nacionais, para aperfeiçoar as instituições e ajudar nas transformações sociais que o País e o Amazonas tanto precisam com tanta urgência.

Somente hoje, dia 10 de abril, sábado, recebi o exemplar de A Crítica que meu cunhado me envia pelo Correio. Fiquei chocado ao ler minha coluna e verificar que um trecho de quatro parágrafos que eu havia escrito, foi suprimido.

O trecho suprimido foi o seguinte:

Pessoalmente, não enfrento este problema, porque mudei de domicílio eleitoral para o Rio. Votei na Benedita da Silva para prefeita e no Jorge Bittar para vereador, ambos do PT. Mas como amazonense, com o umbigo enterrado no Beco da Bosta, em Aparecida, confesso estar mais ligado nas eleições de Manaus, onde no primeiro turno cravei um “x” na proposta mais radicalmente transformadora que se apresentou. Minha cabeça e meu coração torceram pela Beth Azize: boa de briga, competente, honesta. Votei três vezes para vereador: Aloysio Nogueira, João Pedro e Praciano. Votaria também uma quarta em Nelson Fraiji, se ele fosse candidato.

Os “caras pintadas”, dona Elisa, minhas irmãs e eu estamos convencidos de que o programa defendido por Beth Azize e pelas forças políticas que a apoiam é o melhor para a nossa cidade. O diabo é que não conseguimos convencer a maioria da população oprimida e desinformada, tarefa essa que não se realiza da noite para o dia, inclusive porque nem sempre contamos com os meios necessários para executá-la. Quantas derrotas eleitorais sofremos no RJ e quantas lições delas extraímos, antes de dar Bené na cabeça?

Pois é, rapaz. O processo de educação política é mais demorado do que desejaríamos. A eleição é um episódio – importante – deste processo. A luta continua. Depende do nosso comportamento nesse segundo turno o avanço da educação política, nossa e dos demais eleitores. Depende do nosso comportamento, hoje, o resultado das eleições em 1994.

O que fazer? O melhor programa, do nosso ponto de vista, foi derrotado: Beth Azize não é mais candidata. Agora, é outra eleição. Temos apenas dois na disputa. De um lado, o atraso absoluto: o senhor do Castelo (PDC vixe vixe), “o homem mais rico do Amazonas”, com sua fortuna duvidosa acumulada à custa dos cofres públicos, da fome e da miséria do povo, com uma carreira política cimentada sobre a ignorância e a falta de informação.

Suprimida e censurada essa parte, o artigo continua como foi publicado originalmente.

Como você pode perceber, caro Umberto, a supressão acabou traindo o sentido global do texto, ao excluir a identidade política a partir da qual faço o resto da análise. Espero que tenha sido apenas um erro de composição, como fui informado por telefone ao me queixar. Neste caso, para recuperar o sentido original, basta publicar o artigo na íntegra, na próxima terça-feira, dia 15, com a observação pública de que houve um erro de composição, tal como feito recentemente com um artigo do Almino Affonso.

Da mesma forma que procuro, às vezes, me colocar na tua pele, você compreenderá, colocando-se na minha, que esta é uma condição profissional, política e ética para que eu possa continuar com minha colaboração semanal.

Caso não tenha sido um erro de composição, mas uma censura do jornal, entendo que estou sendo excluído do quadro de colaboradores de A Crítica. E aí, respeito a tua decisão e apenas lamento não poder mais continuar colaborando. Se essa segunda hipótese for a correta – o que espero não ser – cessa definitivamente a minha colaboração semanal, mas não cessa a nossa velha amizade e o afeto sincero que tenho por você.

Um grande abraço

José R. Bessa Freire, em 10-10-1992

Ver também:

  1. Voto Nulo: Manaus que se lixe - https://www.taquiprati.com.br/cronica/569-no-2
  2. No segundo turno: vota em quem preferes combater - https://www.taquiprati.com.br/cronica/570-voto-nulo-manaus-que-se-lixe

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