- Por Collor, eu mato, por Collor eu morro.
A frase registrada pela Folha de São Paulo é de autoria do deputado Ézio Ferreira (PFL-AM, vixe vixe). Ele a pronunciou com aquele sorriso amarelo que todos conhecemos, exibindo os seus dois dentes de ouro: um canino e o outro incisivo central.
Frase antológica digna de figurar num vestibular da Universidade do Amazonas: Por Collor, eu mato, por Collor eu morro. Será que dá para levar a sério? Será que resiste a uma análise? Vem comigo, leitor (a), vamos analisar juntos este período composto por duas orações coordenadas. Pode ser um exercício fértil.
Sujeito
O sujeito das duas orações é “eu”, quer dizer, o Ézio, o enunciador da frase, aqui substituído pelo pronome da primeira pessoa do singular. O sujeito é simples, não porque o Ézio seja simplório – ele é – mas porque tem um só núcleo, isto é, se refere a uma só pessoa. Se o Amazonino Mendes também declarasse o que finge pensar, o sujeito seria composto, porque teria dois núcleos.
O Ézio está disposto a tudo – a matar e a morrer, mas não é por isso que o sujeito, além de simples, é determinado e sim porque está materialmente expresso na oração, aparece explicitamente na frase. No entanto, mesmo que estivesse omitido, dava para sacar que se tratava do Ézio pela desinência do verbo: mato e morro. Se fosse na terceira pessoa: mata e morre, o sujeito poderia ser ele, por exemplo, o Amazonino. Mas não é.
O sujeito, o sujeitinho Ézio, na primeira oração, mata. Na segunda, ele morre. Quer dizer, Ézio considera como oração principal o matar. O morrer é secundário, porque uma vez morto ele não poderá mais matar. A segunda ação só acontecerá se a primeira não puder ser realizada. Sabidinho esse Ézio. Espertinho.
Predicado
Nas duas orações, o predicado é verbal, porque tem como núcleo, como elemento principal da declaração, verbos significativos: matar e morrer.
Matar é um verbo transitivo, exige um objeto direto para complementar seu significado. Quem mata, mata alguém. Qual é o objeto direto da matança do sujeito Ézio? Quem é que ele mata? Isso, não está claro, mas está implícito que ele mata qualquer um, ou todo mundo que se meter à besta. Uma carnificina!
Que o Ézio seja capaz de matar até um prato de feijão, isto está fartamente comprovado com as tartarugas, cujas cabeças ele decepa semanalmente em Brasília, em opíparos banquetes fisiológicos que enchem a pança da galera do PFL. Na última comilança, o deputado e pecuarista Ricardo Fiúza – o Fiuzão – saiu com problemas de flatulências. Agora que ele esteja disposto a morrer, isso é discutível.
Morrer é um verbo intransitivo. Você morre e pronto. É enterrado e pronto.
Por que o Ézio está querendo matar ou morrer? Ele mesmo responde: “Por Collor”. Será?
Adjunto
O adjunto adverbial acrescenta à frase alguma circunstância expressa pelo verbo, intensifica ou modifica o predicado.
Nas duas frase, o adjunto adverbial “Por Collor” modifica tudo. O Ézio está disposto a matar ou morrer não pelo povo, pela pátria ou por um ideal de sociedade mais justa. O Ézio mata e morre “por Collor”. Trata-se de um adjunto adverbial de causa.
A análise sintática, no entanto, é limitada. Ela nos permite sentir o cheiro do tacacá e do tucupi, mas não nos dá elementos para verificar se dentro daquela cuia tem camarão e jambu. Para isso, é necessário pegar um palitinho e analisar o contexto. É o contexto que dá significado às palavras.
Contexto
O contexto político é dado, hoje, pela CPI do PC Farias, que descobre, a cada dia, novos podres do presidente Collor, seu sócio. Segundo cálculos da CPI, os cheques depositado pelos oito “fantasmas” na conta de Ana Acioli, somados aos pagamentos da Empresa do PC Farias para a reforma da Casa da Dinda, totalizam quase 11 milhões de dólares, quantia três vezes superior aos 3,75 milhões de dólares que o Cláudio Vieira alega ter obtido para o presidente através da “Operação Uruguai”.
O Collor está fraco. Está frito. Recebeu grana do PC Farias, seu sócio, grana obtida através de todo tipo de maracutaia: licitações fraudadas, chantagem para contratação de obras públicas,
lavagem de dólares, participação fraudulenta na onda de privatizações com papéis podres, desvio de verbas públicas que estavam destinadas à saúde e à merenda escolar, uso de informações confidenciais. Enfim, uma bandalheira total do “Caçador de Marajás”.
A CPI vai mesmo pedir ao Congresso o impeachment do Collor. Então, o PFL (vixe vixe outra vez), que nas últimas eleições presidenciais recebeu menos votos do que o PRONA (Meu nome é Enéas...) aproveitou a ocasião para dar um golpe e se apoderar gradativamente do Poder, impondo seus ministros fisiológicos, na base do “é dando que se recebe”, a um presidente fragilizado pela imersão na corrupção.
Em troca do apoio a Collor, os pefelistas estão exigindo a liberação de 5 trilhões de cruzeiros do Fundo de Amparo ao Trabalhar (FAT), além de mais de 2 trilhões de cruzeiros do Fundo de Desenvolvimento Econômico e social (FNDE) para rachar entre os ministérios pefelistas.
O PFL, cujos integrantes eram da Arena e depois do PDS, apoiaram os ditadores militares, tirando uma casquinha (e que casquinha!) do Poder. Depois veio o Sarney e o PFL continuou no Poder, negociando os cinco anos em troca de concessão de canais de rádio e TV. Agora é o Collor moribundo.
Na realidade, nem Pedro Collor está disposto a matar e morrer por seu irmão Fernando, muito menos o Ézio, que mata tartarugas e morre de medo de ficar à margem do Palácio da Alvorada. Se o Collor cair e entrar o Itamar, o Ézio estará disposto a matar e morrer pelo Itamar. Portanto, o sujeito escondido da oração é o PFL. E o adjunto adverbial não é “Por Collor”, mas “Pelo Poder”. Onde aparece Collor, leia-se PFL.
De qualquer forma, com sua frase, o Ézio é o mais forte candidato ao prêmio Nobel de puxa-saquismo, conquistando a medalha do “lambe-botas à distância”. O ouro da medalha, se fundido, dá para cobrir os outros dentes afiados do deputado amazonense, inclusive os molares.