CRÔNICAS

O destino de Collor: entre o jejum e o banquete

Em: 03 de Agosto de 1992 Visualizações: 1392
O destino de Collor: entre o jejum e o banquete

Dona Elisa abre A Crítica, coloca seus óculos de perto e, antes mesmo de ler o Taquiprati, devora na Igreja em Foco a coluna assinada pelo arcebispo de Manaus, Dom Luís Soares Vieira.

- Agora Manaus tem um pastor de verdade – ela comenta, elogiando as posturas firmes do bispo em relação aos problemas locais e nacionais.

Por isso, ninguém estranhou quando ao comemorar o aniversário de sua filha Helena, dona Elisa nada comeu, limitando-se a tomar um chazinho de erva cidreira.

- Estou jejuando hoje para acabar com a corrupção no País.

Em nome da verdade, preciso te confessar, leitora, que o aniversário foi comemorado com uma caldeirada de bodó, comprado na Feira da Panais pelo preço de 6 paus a enfiada e que dona Elisa não gosta de bodó.

- Bodó é um peixe que vive na lama – ela diz com o mesmo asco com que fala de Collor e PC Farias, cujas preferências são semelhantes às do bodó.

Embora a comparação seja uma injustiça com o bodó, cujo caldo é uma delícia, fica claro que o jejum da dona Elisa não foi lá um grande sacrifício. Mas de qualquer forma, ela atendeu ao apelo de Dom Luís, integrou-se à Semana de Orações pela Pátria e jejuou contra a corrupção.

Enquanto dona Elisa dispensava o bodó, apesar do cheiro provocativo da pimenta murupi, o deputado Ézio Ferreira (PFL vixe vixe) reunia na sua mansão, em Brasília, 80 parlamentares – o dobro do covil de Ali Babá – para um grande banquete de apoio ao ainda - até quando? - presidente Fernando Collor de Melo.

Tambaquis enormes ao preço de 150 mil cruzeiros cada, tartarugas e pirarucus regados com champanhe Veuve Clicquot Brut Fridge e uísque Royal Salut animaram o banquete de Ézio para encher a pança de uma cambada de ociosos.

Quem diria, einh? Mais uma vez o Amazonas se destaca no noticiário nacional com Ézio, de repente transformado em articulador da tropa de choque de Collor, visando acobertar as falcatruas da dona Rosane e do PC Farias. Na realidade, o Ézio não articula nada, apenas a sua sobrevivência. Cedeu a sua mansão para o “baile da Ilha Fiscal”, reunindo a fina flor da marginalidade de paletó e gravata do País, orquestrada pelo Ricardo Fiúza – o Fiuzão.

Com seu inseparável anelão de ouro, Ézio passeava pelos jardins, exibindo o seu sorriso também de ouro, como mostraram as imagens na TV. Ele ostenta uma fortuna que nos leva a perguntar: De onde o deputado Ézio Ferreira tirou tanto dinheiro?

 Segundo o Jornal do Brasil – e eu cito entre aspas – “o deputado Ézio tem ampla folha corrida de infrações contra o poder público. Envolvido no escândalo da Loteca, fraudava jogos de futebol. Em 1988, era o maior sonegador de impostos do Brasil, com débito estimado em 3 milhões de dólares. Naquele ano, respondia a processo fiscal, que se arrastava por 21 anos, referentes à declarações de renda dos anos 1967, 1969, 1970, 1971”.

Prossegue o mesmo JB: “Em Manaus, o Tribunal de Contas denunciou que o presidente da Câmara Municipal, César Bonfim, primo de Ézio, beneficiava algumas empreiteiras com preços superfaturados. Mas Ézio ficou mais conhecido pelos 11 grandes prêmios que ganhou na Loteria Esportiva, mais tarde desmascarados pela revista Placar, que denunciou ‘o homem da mala preta´ responsável por fraudar jogos para garantir zebras e prêmios".

Temos de admitir, leitora: o Ézio é supercoerente. Não é bem o Collor que ele está defendendo. O que ele quer preservar é a própria pele, porque se o presidente da República e a primeira dama vão para a cadeia, o que dizer de um obscuro deputado amazonense, que só consegue aparecer na imprensa dando banquetes para apoiar governos que estão caindo de podre, como foi o caso de Sarney e como é o caso agora.

Reza a lenda que há alguns anos o Ezio saldou uma dívida de 60 mil cruzeiros, com dois cheques de 30 mil cruzeiros, ambos para serem descontados na mesma data. É que ele tinha dúvidas se sessenta se escrevia com “s” ou com “ç”.

Entre o jejum da dona Elisa e o banquete do Ézio, a parte sadia do Brasil já fez sua opção. O destino do Collor está selado.

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