CRÔNICAS

A patena do Bonfim e o vergel de virtudes

Em: 15 de Outubro de 1991 Visualizações: 1301
A patena do Bonfim e o vergel de virtudes

No final dos anos 50, quando a missa era rezada em latim, o ex-seminarista Francisco Praciano respondia o “Dominus Vobiscum” do padre com um sonoro “Et cum spiritu tuo” carregado de devoção. Ele era uma brasa, mora!

Já o coroinha César Roberto Bonfim, na mesma época, fritava bolinho na geladeira e ainda deixava queimar. Bonfim, além de beber escondido o vinho que sobrava da celebração, tinha a mania de usar a patena destinada a aparar possíveis pedaços de hóstia, para com ela alisar o queixo das moças que iam comungar. Ele fazia isso sistematicamente depois que as meninas cantavam o Hino do Colégio das Dorotéias:

Oh! Colégio vergel de virtudes

Berço augusto de santa instrução

És nossa feliz juventude

O farol do eterno clarão

A virtuosa Maria Eulália, hoje professora da Universidade do Amazonas, sempre se recusou a comungar em missa alcolitada por Bonfim. Ela tinha razão. A igreja não é o lugar apropriado para alisar queixo de moça, nem vinho de missa deve alimentar porre de fedelho. Por essa razão, trinta anos depois, nenhuma freira votou em Bonfim para vereador, preferindo descarregar os votos em Praciano.

Como as freiras não constituem a maioria dos eleitores, Bonfim se elegeu vereador e se tornou o presidente da Câmara Municipal de Manaus. Mas não perdeu a mania de cometer irregularidades. Praciano, eleito suplente, assumiu o mandato com o hábito de querer as coisas certas, com sede de justiça e com muito “introibo ad altare Dei seguido de intenso “ad Deum que laetificat juventutem meam”.

Com tais marcas de caráter adquiridas na infância, era quase certo que os dois iam acabar brigando. Acabaram. Não deu outra. O pau comeu nas dependências da própria Câmara Municipal que, ao contrário do Colégio das Dorotéias, está mais para Casa de Noca do que para um jardim de virtudes. (Vergel, leitora, significa pomar, jardim, de acordo com a Maria Eulália, ex-aluna das Dorotéias. Confesso que não tive tempo de conferir no dicionário.

Mas Praciano conferiu. Conferiu o balancete da Câmara Municipal, de janeiro a agosto de 1991, estranhando os gastos de quase 6 bilhões de cruzeiros, uma grande parte diz-que em “obras”. Ele achou que a Câmara estava obrando demais, olhou prum lado, olhou pro outro, mas não viu nenhum saco de cimento,, sequer um tijolo. Então, abriu a boca no trombone:

- Aí tem truta.

Parece que tem truta mesmo, porque quando Praciano solicitou a instalação de uma Comissão Especial de Inquérito, quinze vereadores votaram contra. A favor da investigação para saber das mutretagens, apenas seis vereadores, cujos nomes registramos aqui, porque são os únicos, leitor (a) que merecem o teu voto nas próximas eleições: Francisco Praciano, Serafim Corrêa, Jefferson Péres, Vanessa Grazziotin, Mário Frota e João Pedro.

O sino é vazio, mas como badala! O vereador Robério Braga, correndinho, badalou se solidarizando com o presidente da Câmara, com uma afirmação histórica:

- O PFL (vixe vixe) confia na administração do Bonfim.

E daí? Quem confia no PFL? Quem confia em quem o PFL confia? O que a gente quer saber é aquilo que o Bonfim e os quinze vereadores cúmplices procuram esconder: uma investigação que conte tudo tim-tim por tim-tim. Confiança tenho eu na dona Elisa e nem por isso deixo de ficar atento para que ela não me passe um “gato” no dominó.

Quando estavam em plena operação de esconde-esconde, alguém gritou:

- Com licença que chegou a imprensa. Vamos parar com a sacanagem que chegou a reportagem.

Bonfim, apavorado, expulsou os jornalistas, agredindo-os verbalmente. Deu ordem ao diretor administrativo da CMM para sentar a porrada no jornalista Ruy Barbosa, membro da Igreja Adventista do 7º dia.

Leitor da Bíblia na época em que Bonfim assediava as moças com a patena, Ruy Barbosa tirou o livro sagrado e com ele nas mãos gritou:

- Vade retro Satanás! Retira-te desse corpo imundo!

Mas Satanás parece que se encarnou no corpo de um segurança conhecido pelo apelido de “Cachorrão”, que investiu contra Ruy:

- Por acaso eu sou quati pra cachorro me latir? – perguntou Ruy, enquanto o Cachorrão lhe dava socos e pontapés.

Na hora em que batucávamos essas mal traçadas, não tínhamos informações sobre o desdobramento da briga. Conseguirá a Câmara se tornar um vergel de virtudes? Ou permanecerá como um poço de corrupção? Onde estão as obras?

Solidário com os coleguinhas jornalista agredidos, proponho receitarmos junto os seguintes versinhos:

Bonfim, Bonfim

Que nome chifrim!

Começa com bom,

Mas termina com o fim.

NOTAS

Até tu, Átila?

Quem não leu A Crítica de domingo, dia 6 de outubro, ficou menos sábio, porque perdeu o envolvente artigo de Jefferson Péres A Internacionalização Impossível. O combativo vereador mostra que não existe o menor risco de internacionalização da Amazônia como pregam os que querem se apoderar das terras indígenas. Ele desmonta a pregação demagógica e fantasiosa sobre o “inimigo externo”. Faz isso com lucidez, massageando a inteligência do leitor. Claro, didático, nos faz suspeitar que até mesmo o Átila Lins entenderá o artigo, se tivesse o hábito da leitura.

Periquita

Um bom provérbio diz que “onde há uma pomba, sempre aparecem outras pombas”. Aconteceu. Debaixo do artigo de Jefferson Peres, no mesmo domingo, o mestre Aristófanes Castro brilhou com uma página antológica: “o suspense da periquita portuguesa”. Deu para tirar xerox e distribuir entre os amigos.

Biscoito fino

O sub-reitor para assuntos comunitários da UA, Narciso Júlio Freire Lobo, tomou posse no Conselho Estadual da Cultura com um discurso contundente. Caiu de pau no populismo de direita, que pretende – diz-que – “levar cultura” ao povo, ignorando a cultura popular e criticou ainda o populismo de esquerda, que idealiza uma cultura surgida espontaneamente das massas excluídas. Reivindicou o direito sagrado de acesso da população às manifestações da cultura erudita e das obras de arte, “os biscoitos finos” de que falava Oswald de Andrade.

Chíxaro neles?

O procurador Lino Chíxaro, depois de enquadrar o prefeito Manoel Ribeiro, entrou com uma representação junto ao Ministério Público, denunciando o empresário-professor Nilton Lins por “fraude ao consumidor”. Lins está loteando clandestinamente os terrenos no Parque das Laranjeiras denominado Parque das Nações. Chíxaro faz um apelo aos compradores dessas terras, para que também denunciem as irregularidades junto ao Ministério Público.

Picaretão

Frase do vereador Mário Frota sobre o empresário Paulo Girardi, que quase-quase chega a ser vice-governador e hoje tem uma fortuna avaliada em 140 milhões de dólares:

“Este picareta chegou ao Amazonas em 1982 com uma mão na frente e outra atrás e, em oito anos, se tornou uma dos empresários  mais ricos do Brasil”.

Ver também O canibalismo no duelo Belfort versus Penafort - https://www.taquiprati.com.br/cronica/616-o-canibalismo-no-duelo-belfort-versus-penafort

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