CRÔNICAS

Globo News: nem fede nem cheira. Ou cheira?

Em: 02 de Novembro de 2014 Visualizações: 23408
Globo News: nem fede nem cheira. Ou cheira?

O que a Globo News têm a ver com o Beco da Bosta, no Bairro de Aparecida, em Manaus? Qual o papel dos comentaristas William Waack e Merval Pereira nessa história? A chave do enigma está na frase:

- Vem, Pet, vem!

Esta frase, que estava submersa em algum desvão secreto da memória, me persegue há dias. Ela emergiu da infância longínqua, de uma época em que qualquer casa do beco tinha um quaradouro feito de ripa localizado em espaço ensolarado no fundo do quintal. Sobre um deles, nossa vizinha Leonor estendia diariamente o lençol e a rede mijada do Joreca, seu filho, já ensaboada, esfregada e enxaguada. Mas antes cumpria um ritual enunciando uma frase ouvida por toda a vizinhança e que agora, sessenta anos depois, ainda martela meu juízo:

- Vem, Pet, vem!

Era assim, com voz lânguida, quase gemendo, que ela chamava seu cunhado Manuel Camilo, o Petel. Ele ia. Atendia a cunhadinha. Ajudava a estender o lençol para quarar. Ela segurava uma ponta, ele a outra, trocavam olhares ardentes e apaixonados, embora nada tenha rolado entre os dois, não por falta de vontade dele - nem dela, jurava dona Alvina, a tacacazeira - mas porque Leonor, virtuosa, não trairia o marido, embora fosse a única pessoa com intimidade para chamar o Petel de Pet. Nem dona Geraldina, a mãe do dito cujo, ousava tanto.

Enquanto deixamos o lençol no quaradouro para clarear, vamos em frente. Eis o que eu queria dizer: na mídia, tem muito comentarista que trata certas instituições distantes com a mesma intimidade dispensada por Leonor ao Petel. Foi ouvindo dois deles na Globo News - William Waack e Merval Pereira - que a frase da Leonor sepultada no fundo do poço da memória começou a me perseguir. O que disseram eles?

No news

  - O Fed avalia que a economia dos EUA, ao contrário da brasileira, está em franca recuperação - clamou William Waack, arreganhando os dentes com sorrisinho vitorioso e agradecendo, por não se chamar Guilherme, a Nossa Senhora Aparecida - perdão  Our Lady of Perpetual Help, com quem ele trata essas coisas.

- Então, foi por isso que o Fed anunciou o fim de seu programa de ativos, o chamado quantitative easing - complementou Merval Pereira, com uma expressão que fingia inteligência e acuidade e com inveja por não se chamar Merval Pear Tree.

Daí pra frente foi um festival de Fed. Só deu Fed na Globo News. Era Fed pra lá, Fed pra cá, Fed mais, Fed menos. O Beco da Bosta, onde Fed é outra coisa - et pour cause - ficou perplexo. Ninguém entendeu bulhufas do que disseram os dois comentaristas que vestiram a camisa do Fed. Se o Beco da Bosta nada captou, asseguro-vos que nem a torcida do Flamengo, nem o Brasil profundo compreenderam, sequer a Cleísa que é mestra em economia. Aqui pra nós, suspeito que nem os dois comentaristas sabem explicar direito o que falaram. Contribuem para que se pense a Economia como um campo esotérico. De qualquer forma, se Merval Pear Tree e Waack, o Bill,  elogiaram o Fed é porque boa coisa não deve ser.   

Da mesma forma que Pet é de uso íntimo para designar Petel - apelido do Manoel Camilo - assim também Fed é o apelido do Federal Reserve System, o sistema de bancos centrais dos Estados Unidos responsável pela política monetária daquele país. O leitor tergiversador pode objetar que Fed já é um apelido consagrado, "universal", não se trata de um código cifrado e eu lhe pergunto: consagrado por quem? Para quem falam os dois comentaristas? Nem Rubem Rola, criptógrafo do Beco, consegue  decodificá-los.  

- O Fed, em 2010, registrou um lucro de 82 bilhões de dólares e transferiu 79 bilhões para o Tesouro americano – disse o Merval ou o Waack, não lembro mais, de qualquer forma foi um deles que falou isso lambendo os beiços, triunfante. Nenhum dos dois informou que o tal Fed é de fato uma instituição privada, dominada pelos bancos, e não uma instituição pública. Esse tipo de informação é que seria esclarecedor.

Good news

No entanto, quem está aqui na berlinda não é o Fed, mas a representação de certa mídia e a intimidade com que trata a economia dos EUA. Waack, experiente jornalista, foi correspondente internacional durante anos em vários países. Merval é membro do Board of Visitors of the John S. Knight Fellowships da Universidade Stanford, seja lá o que isso signifique. Mas isto não lhes autoriza a falar do Fed com tal familiaridade. Nunca rolou nada entre eles como os dois insinuam, embora dona Alvina, a tacacazeira, jure que tanto Mer quando Wil gostariam de ter um caso com o Fed. O Wil daria tudo para isso, e o Mer dá.

A preocupação maior dos comentaristas é afetar chamego com o Poder internacional, como se tivessem compartilhado o breakfast com o Obama - digo, com o Oba - que lhes teria feito confidências. Esquecem de informar à audiência brasileira, a quem se dirigem, sobre o significado do Fed para nossa vida. Quando estabelecem tal relação, pontificam com ar doutoral, para nos dizer que a economia brasileira está em crise, ao contrário da norte-americana. Fazem críticas que não fedem, não cheiram, nem sensibilizam o Petel e a Leonor.

P.S. - Pensei até em "traduzir" aqui para linguagem jornalística o texto que apresentei nesta sexta-feira, em Foz do Iguaçu (PR) sobre o cronista índio peruano do séc. XVI, Felipe Poma de Ayala no Colóquio organizado pela UNILA - Universidade Federal de Integração Latinoamericana, na mesa redonda da qual fizeram parte os professores bilíngues guarani Joana Mongelo e Teodoro Alves, o xokleng Marcondes Nambla e os professores da UNILA Giane Lessa, Clóvis Brighenti e Mário Ramão Villaba. Mas a frase da Leonor não me deixou: Vem, Pet, vem! Acabei indo. Poma de Ayala - o Pom -  fica para outra oportunidade. Antes, eu tinha de me livrar do Pet e do Fed para dormir em paz com minha consciência.

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13 Comentário(s)

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Juarez Silva (Manaus) comentou:
18/11/2014
Sempre muito bom esse baba... kkkkkkk
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Raimundo Nonato Souza comentou:
03/11/2014
Genial, Babá. Escreves com uma leveza admirável.
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Nilda comentou:
03/11/2014
Caro amigo, depois das eleições você voltou com tudo. Reparou que TODOS no jornal das 22h da Globo News, de segunda, depois do segundo turno estavam de luto fechado???? Negro como as asas da graúna> fiquei me perguntando: ordem de quem??????? Enfim, vamos indo. Grande abraço NildaPS Mas continuo querendo a história do índio OK?
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Ana comentou:
02/11/2014
Adorei a relação entre o Pet e o Fed, mas o 'breakfast' com o Oba, foi demaisssssss!!!!!
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Cristovam Luiz comentou:
02/11/2014
Com uma excelente análise macroeconômica e uma profunda valorização de nossas raízes culturais, você nos brinda uma vez mais com um artigo tecido à letras de ouro. Estou incorporando esse artigo ao website Manaus: Uma Cidade Ideal (www.manausideal.com.br) onde pretendemos questionar os problemas da cidade e apontar as devidas soluções, através de projetos, ideias e apontamentos feitos por sonhadores, que pensam em construir uma cidade para o futuro. Quem sabe se assim não cativamos um comentário do Merval Pear Tree...rsrs. Um forte abraço amigão! Contato de Cristovam Luiz
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Vânia Novoa Tadros comentou:
01/11/2014
Babáááá´(leitor eu posso chamá-lo assim porque somos íntimos de verdade). Eu estou estupefata. Não sabia que conhecias tanto assim de economia e finanças internacionais. És um gênio " federal". Esse tipo de artigo é muito gostoso de ler mesmo que a economia brasileira esteja no buraco. Ficas devendo a crônica anunciada sobre o fantástico cronista índio-peruano do século XVI, Felipe Poma de Ayala.
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Ana Stanislaw comentou:
01/11/2014
kkkkk Adorei Bessa, muito boa!
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João Barros Carlos comentou:
01/11/2014
Assisto, de vez em quando, alguns programas sobre Economia/Política, dentre os quais, o Programa do Willian Waack; gosto dos comentários, com reservas, do Merval Pereira, Kennedy Alencar e outros. Tenho dificuldades de entender a Mirian Leitão, fica mais enrolada e claudicante do que a Dilma quando tenta responder sobre o tripé macroeconômico: Meta Inflacionária, Superávit Primário e Câmbio Flutuante. O falecido jornalista Joelmir Betting, que não era economista por formação, comentava com uma destreza espetacular, parecia até que era fácil resolver os problemas econômicos. Não precisa ser economista para entender que para manter a inflação baixa e o crescimento alto, talvez seja uma das equações de ordem econômica mais dificies de resolução para qualquer governo. O governo FHC conseguiu, Lula manteve e conseguiu o crescimento com distribuição de renda, Dilma está com muitas dificuldades, pois, mantem teimosamente um modelo diferente dos governos anteriores, terá que mudar essa postura, daí talvez, o desentendimento com Mantega, suponho. O certo é que, muitos comentaristas, com o intuito de apresentarem uma erudição que não possuem, mostram, na verdade, o que nós chamamos por aqui: Pavulagem. Ah!, sim, ia esquecendo. Não sei se está fora do contexto da crônica, mas se estiver, agora incluo: O Banco Central brasileiro (o nosso-que-FED) tem que ser independente. Ah! isto tem sim. Não tenho dúvidas.
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Custódio, o Cus comentou:
01/11/2014
Ribamar, - desculpa, quero dizer Ri, seu sacana, só mesmo voce para criticar o Fed com o Beco da Bosta. Abraço amigo do Cus.
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Simara Ferreira (via FB) comentou:
01/11/2014
Um texto que é um deleite! E viva as tacacazeiras... rsrsrsr
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Paulo Bezerra comentou:
01/11/2014
Volta e meia e você retorna ao inesquecível Beco da Bosta, para o desconforto da nossa caríssima Vânia Tadros que prefere o nome oficial do beco. Como é mesmo ?
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VANIA NOVOA TADROS comentou:
01/11/2014
CAROLINA DAS NEVES_ foi o seu primeiro nome do beco em homenagem a uma lutadora portuguesa que chegou aqui pobrezinha mas, trabalhando-economizando muito, criou os filhos honestamente e construiu casas para aluguel no Bairro de Aparecida. Esse foi o nome que eu conheci desde pequena e, por ser apóstola dos Cruzadinhos da Igreja de Aparecida, andava pelo referido bairro e Igarapé da Bica convidando crianças para ser catequizados. O atual nome ELISA BESSA FREIRE foi alterado após a morte dessa minha fantástica amiga, líder do bairro, dedicada ao trabalho social e religioso. Senhora muito simpática e educada ajudava a todos e entendia de gente e de suas necessidades como ninguém. Paulo, quem se incomodava com o apelido de Beco da Bosta era minha mãe, Teresa de Jesus Monteiro Novoa, admiradora das crônicas do Bessa, porém dizia que da boca de uma pessoa tão inteligente não podia sair palavras de tão mal odor
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Roberta Andrade (via FB) comentou:
01/11/2014