Confesso que este amazonense aqui morre de inveja dos amigos de outros estados do Brasil. É que no Rio, o ex-governador Sérgio Cabral, sua mulher Adriana e o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha roubaram dinheiro público, mas passam o réveillon no xilindró. Em Brasília, os ministros Geddel Vieira e Romero Jucá prevaricaram, mas tiveram de renunciar ao cargo. Já no Amazonas, o crime compensa. Desde 1542, quando Orellana matou índios até as recentes denúncias contra o secretário de Fazenda Afonso Lobo, ninguém é preso, ninguém renuncia. Parece até crime cometido pelo PSDB de Minas Gerais.
Quando é que o Amazonas vai assistir a prisão de um de seus corruptos de peso? Unzinho apenas! A Operação "Maus Caminhos", da Polícia Federal, comprovou que uma quadrilha desviou aqui quase R$ 300 milhões de recursos da saúde, um crime que brada aos céus e clama a Deus por vingança, pela sua iniquidade, pelas mortes que acarreta, pelo sofrimento que provoca. Mas nenhum corrupto ilustre é preso e nem pede pra pagar e sai. Eles estão vagando e andando para a opinião pública.
Este Diário do Amazonas, cumprindo sua função informativa, correu atrás do "Mau Caminho". Xeretou, investigou, vasculhou o Portal da Transparência do Estado e deu um flagrante no secretário de Fazenda, Afonso Lobo, que aparece como suspeito de favorecer a empresa Tapajós Comércio de Medicamentos Ltda, cujos donos eram sócios dele até 2010 e que, em seis anos, faturou em contratos com o governo do Estado R$ 36 milhões, doando R$ 250 mil para a campanha do senador Omar Aziz.
Dois meses após assumir o cargo, Afonso Lobo concedeu benefícios fiscais à empresa do qual é sócio, aponta o Diário Oficial do Estado (DOE) de 27 de fevereiro de 2013. Lá consta o documento no qual a Sefaz reduz percentuais de ICMS de produtos farmacêuticos à Tapajós Perfumaria Ltda.
Santo remédio
O Diário teve acesso ao contrato de constituição da Tapajós Perfumaria, em janeiro de 2003, onde Afonso Lobo Moraes aparece como um dos sócios, mas o secretário jura – e que ver o governador José Mello mortinho no inferno se estiver mentindo – que não há qualquer vínculo societário entre a Tapajós Medicamentos e a Tapajós Perfumaria. Uma vende perfume, a outra remédio, as duas comerciam ilusões. E o Governo do Estado, como sabemos, compra remédios superfaturados, mas ainda não compra perfumes idem.
Acontece que, segundo levantamento do Diário, os mesmos donos da Tapajós Medicamentos são os donos da rede de drogarias Santo Remédio, que monopoliza a praça da cidade de Manaus. E o secretário Afonso Lobo, quando era presidente do Conselho Fiscal, isentou multa milionária da Santo Remédio, tornando-se sócio dela no outro ano, deixando depois convenientemente de sê-lo. Os ex-sócios de Lobo foram dispensados de licitações, conforme atestam portarias no DOE.
Além disso, a Tapajós Distribuidora foi acusada de irregularidade na aquisição e distribuição de remédios pela Central de Medicamentos do Estado do Amazonas, de 2003 a 2005, quando houve repasse de recursos federais, o que deu origem a processos no Tribunal de Contas da União (TCU) e na Justiça Federal. O TCU determinou que os responsáveis pelo superfaturamento dos remédios restituam ao Fundo Nacional de Saúde o que lhe foi surrupiado. Quem quiser verificar, basta consulta os acórdãos publicados no DOE.
Qual a reação de Afonso Lobo diante das denúncias? Declarou que "a simples situação de sócio cotista de iniciativa privada não representa em si ilegalidade ou infração ética, não há vedação legal”. Lobo concluiu o blá-blá-blá com um uivo que deixou os raros cabelos de José Melo Merenda em pé: “O Amazonas já teve governadores e secretários de Fazenda sócios, inclusive majoritários de empresas privadas”.
Santificada merenda
Diante do escândalo, o governador José Mello Merenda não tem forças para desnomear seu secretário Afonso Lobo Remédio e parece que não deseja fazê-lo, porque ambos teriam executado operações similares, um na educação, o outro na saúde. É a aliança do santo remédio com a santificada merenda. Por seu lado, Lobo diz que não renuncia ao cargo nem que a vaca tussa. Sem apresentar qualquer dado para esclarecer as denúncias, se fez de vítima e partiu para o ataque contra o jornal.
Desprezando a função fiscalizadora da imprensa, Lobo soltou nota, dizendo que sofre "ardilosos ataques" e "retaliação desesperada feita por quem teve interesses contrariados". Fala que não vai se intimidar com a chantagem, nem com as "futricas dos enviados de Belzebu que servem ao inferno da discórdia" e que defenderá sua honra e sua carreira da "leviandade" cometida por "um garoto inexperiente" - é assim que ele nomeia o vice-presidente da Rede Diário de Comunicação, Cyro Batará Anunciação. O leitor só não entende é como é que a "inexperiência do garoto" inocenta o Lobo. Essa não parece a história dos ovos de Hegel?
O filósofo alemão Hegel (1770-1831), no texto “Quem pensa abstrato?”, se diverte relatando os "argumentos" de uma velha trapaceira que vendia ovos estragados na feira da cidade de Stuttgart. Uma freguesa reclamou:
- Puxa vida! Na semana passada, a senhora me vendeu ovos podres.
A velha contra-atacou uivando como Lobo:
- Quem você pensa que é, sua sirigaita, para prejudicar meu negócio? Tua mãe fugiu com um soldado francês, teu pai era um corno manso. E eu conheço os machos que compram teus vestidos.
O discurso da velha serviu para Hegel exemplificar as artimanhas de uma argumentação torta. Preocupado com o método de busca da verdade, ele pergunta: afinal, o que é que a honra da moça tem a ver com os ovos podres? Ou, traduzido para uma linguagem regional: o que é que o urucu tem a ver com as calças? Não há qualquer relação de causalidade entre uma coisa e outra. O que a feirante tinha de provar era que os ovos não estavam estragados. É isso que se espera do Lobo em pele de cordeiro. Falar da "molecagem" ou da "inexperiência do garoto" não passa de um truque para esconder a verdade.