CRÔNICAS

Em defesa de Geddel: tecnicamente inocente

Em: 10 de Setembro de 2017 Visualizações: 21506
Em defesa de Geddel: tecnicamente inocente

O ex-ministro Geddel Vieira (PMDB vixe vixe), preso na sexta-feira (8) por guardar malas no valor de mais de 51 milhões de reais, será solto outra vez – aguardem - porque tecnicamente é inocente. Vejam bem: estou enfatizando o “tecnicamente”, coisa que os leigos famintos de justiça não entendem, porque desconhecem as leis e o latinorum. Ignoram que as decisões de um magistrado são sempre amparadas em “critérios técnicos”, como já esclareceu Gilmar Mendes, o mais “técnico” de todos os juízes. O juiz tem que ser "técnico", não pode ficar atendendo a sede de justiça do populacho. 

“Sujeitos da esquina” sedentos de justiça costumam esquecer aspectos “técnicos”, como no caso do cara que ejaculou no pescoço de uma passageira dentro do ônibus na Avenida Paulista e que tinha registros de 17 antecedentes de agressão sexual. O juiz José Eugênio Souza bem que queria mantê-lo preso, mas – puxa vida! - foi obrigado a soltá-lo, conforme declarou, por causa dos tais “critérios técnicos”, já que o punheteiro não usou de violência para constranger a vítima. E aí a regra é clara, Arnaldo. A porra foi pacífica e deixou intacto o judiciário, porque não foi sobre a filha do juiz, que aliás nem anda de ônibus.

Quem continua preso, por ser tecnicamente considerado violento, é o catador de material de reciclagem, Rafael Braga, jovem, negro e pobre, que durante as manifestações contra o aumento das passagens de ônibus, em 2013, portava uma garrafa de Pinho Sol e outra de água sanitária destinadas, segundo a polícia, à fabricação de coquetel molotov. Por isso, foi penalizado com 5 anos e 10 meses de reclusão. Recorreu alegando que garrafa de plástico não explode. Foi, então, acusado de tráfico de drogas e condenado a 11 anos de prisão. Tecnicamente sem apelação.

Percevejo de Gabinete

Já o pecuarista e cacauicultor Geddel Vieira, ex-ministro de Michel Temer que o havia indicado para ser ministro de Lula, jamais empregou violência. Usou sempre métodos suaves e pacíficos. Foi assim no escândalo dos “anões do orçamento” descoberto em 1993, quando criou entidades sociais fantasmas para embolsar verbas públicas com outros colegas parlamentares, o que levou o ex-presidente Itamar Franco a apelidá-lo de “percevejo de gabinete”, inseto que chupa o sangue humano. Na época, conseguiu se safar da prisão graças às “normas técnicas” do Direito Penal.

No entanto, em julho último foi preso depois de delatado pelo doleiro Lúcio Funaro. Ficou apenas uma semana no Presídio da Papuda, de onde saiu graças a habeas corpus “técnico” concedido por três desembargadores do Tribunal Regional Federal que consideraram a prisão desproporcional, “um canhão para matar um mosquito”, segundo Ney Bello, relator do caso, para quem “não houve ofensa, agressão, coação, cooptação, proposta indecorosa, financeira ou moral” nas conversas de Geddel com a mulher do doleiro Lúcio Funaro. A prisão domiciliar decretada foi uma decisão “técnica”.

De lá pra cá, Geddel, o mosquito, ficou em casa sem monitoramento por falta de tornozeleira eletrônica. Não foi preciso. Imagina! Ele nunca usou garrafas, nem mesmo de plástico, para fabricar explosivos. Comportou-se sempre como um comendador que recebeu medalhas das três armas e do judiciário: Grande Chanceler da Ordem de Cristo, da Ordem do Mérito Aeronáutico, do Rio Branco, do Mérito Judiciário do Trabalho, do Mérito Militar, do Mérito Naval. É bom lembrar que ao contrário de Rafael Braga, Geddel está todo emedalhado por instituições respeitáveis. Tecnicamente, isso pesa.

Conversa de bêbado

No entanto, a Polícia Federal acaba de encontrar R$ 42,6 milhões e US$ 2,7 milhões num apartamento em Salvador cedido a Geddel, com suas impressões digitais nas cédulas. Desconfiaram que ele planejava se pirulitar do Brasil. O Ministério Público (MPF) no pedido dessa segunda prisão preventiva, alegou que o peemedebista é um “criminoso em série” que construiu sua carreira com crimes financeiros contra a Administração Pública. Uma busca foi feita no apartamento da mãe de Geddel que já deu uma dica para alimentar os “critérios técnicos” do Judiciário:

- Meu filho não é bandido, ele é doente.

Ou seja, a voracidade de Geddel por grana é uma doença - a cleptomania, epidêmica em Brasília -  que requer cuidados clínicos e não encarceramento em presídio, como o caso do médico Roger Abdelmassih, que violentava sexualmente suas pacientes e teve habeas-corpus concedido por Gilmar Mendes, em decisão “estritamente técnica” uma vez que o médico, por estar com seu registro cassado, “não representava mais perigo”, o que não é o caso de Rafael Braga. Assim, Geddel é inocente, com uma atenuante: no pedido da prisão escreveram Gedel (com um “d). Tecnicamente, o criminoso é Gedel e não Geddel. É o primeiro que a Polícia deve prender, o segundo deve ser solto. A Lei das Organizações Criminosas (12.850/2013) precisa ser respeitada, do contrário vale tudo.  

Aliás, argumentação semelhante está sendo usada por Michel Temer, Rocha Loures e Aécio Neves para desqualificar as malas de dinheiro filmadas e a conversa gravada no porão do Palácio do Jaburu. Eles invocam a mencionada Lei 12.850/2013 que atribui exclusivamente aos agentes do Estado a função investigativa. Ora, Loures, Aécio e Temer foram filmados e gravados pela Polícia sem a autorização prévia do STF, o que configura a obtenção de prova ilícita.

Temer foi gravado por Joesley, "o que solapa o princípio da não autoincriminação" como argumentou um doutor em processo penal. Temer pode peidar - ele peidou,  pode fazer barulho - fez um estrondo, pode feder - fedeu muito, mas se a flatulência foi induzida por feijoada com cebola oferecida por Joesley, técnicamente não houve peido. A Lei 12.850/2013 é clara. Além disso, tecnicamente, tais provas não tem valor, já que o próprio Joesley Batista admitiu que ninguém pode acreditar na gravação entre ele e Ricardo Saud, porque se trata de uma “conversa de bêbados” e, tecnicamente, como todo mundo sabe, conversa de bêbado não tem dono. O importante não são as provas, não é o julgamento e a prisão dos criminosos, mas o respeito à lei que deve ser preservada a qualquer custo 

Os “sujeitos da esquina” desconfiam dos tais “critérios técnicos” que são invocados mormente (mormente é ótimo!) quando se trata de proteger bandidos de colarinho branco ou machões estupradores. Parece que quem está obstruindo a justiça é justamente o “critério técnico”, que já salvou da prisão até o afilhado de casamento de Gilmar Mendes. Dizer que "o juiz agiu tecnicamente" quase sempre significa que se usou a "tecnicalidade" para cometer uma injustiça.

VER TAMBÉM: GILMAR MENDES ARROSTA OS SUJEITOS DA ESQUINA - http://www.taquiprati.com.br/cronica/20-gilmar-mendes-arrosta-os-sujeitos-da-esquina

 

 

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18 Comentário(s)

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comentou:
24/09/2017
Comentário atrasado: estava na terra onde "nasci brasileira", meu querido Sergipe e sem Wifi, que drama! Bessa fiquei não posso te dizer o quanto, emocionadíssima ao ler tua crônica. Pungente de verdade! Essa é a justiça que temos: um juiz gasta milhões no intuíto principal e essencial de prender o Lula para que não possa se candidatar em 2018. Mas nem sequer o "critérios técnicos" o sustentam (delação, mesmo premiada, não é prova. "Convicção" não é prova técnica. O que fazer? Dizia Lênin, mas claro que era com outas intenções. Quanto trabalho esse Lula dá aos juizes que, por isso não têm tempo de tratar de outros assuntos, deixando milhares processos se acumularem, com ou sem critério técnico! Mas há um problema: um general já anão foi desmentido pelo comando geral: se a justiça não resolver, haverá outras redentora. Eta situação do cabrunco! (recuperei meu sergipano, lingua florida e cheia de serventias!)
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Walter comentou:
15/09/2017
Ma rapaz, que fumo voce tragou para escrever o texto sobre Geddel? Ta batendo em quase 10 mil acessos somente no facebook. ate agora Ta la em Papo do dia ate hoje. tudo isso sem impulsionar o texto.
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Monica Torres comentou:
12/09/2017
incrível incrível... 'Dizer que "o juiz agiu tecnicamente" quase sempre significa que se usou a "tecnicalidade" para cometer uma injustiça.'
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Vera Nilce Cordeiro Correa (via FB) comentou:
11/09/2017
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José Lima comentou:
11/09/2017
MAL DE GEDDEL. José Bessa, você acha que os critérios técnicos vão chegar por aqui?Pelo crime de pedofilia ou paciente com o mal de Geddel?
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Decio Adams comentou:
10/09/2017
Ai, ai, ai! Pobre de nosso querido Brasil. As leis que temos, podem até ser boas, mas os atalhos, os desvios são tantos que não há como manter na prisão, aqueles que realmente merecem estar lá. Já quem mereceria estar solto e receber, além de um pedido de desculpas, uma boa indenização pelos anos que permaneceu preso inocente, por mera "tecnicalidade". Barbaridade. Não acredito em mais nada nessa nossa república das bananas.
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Eglê Kohlrausch comentou:
10/09/2017
Estamos na época em que mesmo que existam fortes indícios contra alguns, eles não são suficientes para fazer alguma coisa. E quem diz isso é o Ministro Fachin, em relação aos indicadores encontrados contra o ex-procurador Marcelo...
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Kátia Teixeira comentou:
10/09/2017
Infelizmente vivemos em um país que a justiça tem olhos graúdos. Enxerga o que quer é quando lhe é conveniente!
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Jacques Chaban comentou:
10/09/2017
Existe alguém no Brasil satisfeito com a justiça que temos, fora as elites protegidas per ela, seus nababescos magistrados e serventuários?
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Paulo Figueiredo comentou:
10/09/2017
Como sempre, caro amigo, brilhante. Grande abraço.
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elimar nascimento comentou:
09/09/2017
Delicia de crônica. Fico com inveja de não ter escrito. Maravilhosa. Parabéns.
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Maria Celina Muniz Barreto comentou:
09/09/2017
Como sempre seu texto brilha e dá humor a fatos que lamentamos estar vivendo. Acho que esta é a melhor opção para resistir e enfrentar o momento fedorento que irá passar. Muito grata pela leveza que me trouxe.
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Ana Silva comentou:
09/09/2017
Maravilha!!! Bravo! Esse é o retrato político do país. Vergonha, decepção e muita covardia. Valeu, Bessa!
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Alberto Montezuma comentou:
09/09/2017
O problema é que o Brasil, desde Cabral, vive um processo de geddelização com dois "d" e nos estamos ferrados, com dois "d",
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Vera Oliveira comentou:
09/09/2017
Geddel está preso e a cúpula do PMDB denunciada como organização criminosa. Já é alguma coisa. Torcendo para o Supremo levar a diante. Pior é como estava, tudo parecendo o país das maravilhas, onde o povo se realizava com migalhas e a propina reinava absoluta. Precisamos mudar isso
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Elvira Eliza França comentou:
09/09/2017
Segue meu comentário sobre seu artigo, para o caso daquela checagem se eu sou robô ou não falhar e não publicar. Abraços e parabéns. "José Ribamar Bessa Freire, suas palavras fazem a gente rir diante de situações que mereciam ser choradas, fazendo aumentar a indignação com a realidade brasileira, que se torna cada vez pior. Vivemos uma situação tão ridícula no Judiciário brasileiro, que não temos para onde correr. E o pior é que pessoas estão se espelhando nesses modelos indecentes dos criminosos sem punição, dizendo: "se eles podem e ninguém faz nada com eles, eu também posso e não vai ser crime!" Acho muito importante esse seu trabalho de articulação dos fatos e relatos bem humorados para apoiar a conscientização das pessoas acerca dos absurdos que acontecem nessa nossa pátria chamada Brasil, onde a discriminação é um absurdo e o favorecimento aos corruptos é indecente e vergonhoso."
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Deva Karuna comentou:
09/09/2017
O que fazer com o Brasil, pelo Brasil?! Bom, primeiro a gente precisa se amar , só assim conseguimos pensar... José Bessa é um Ser que nos ajuda a pensar. Aproveitem da sua inteligência, bebam das suas palavras. Precisamos nos empoderar do Brasil!! Obrigada, Bessa!
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Maria Das Graças De Carvalho Barreto comentou:
09/09/2017
Pois é! Está tudo peidado neste país, mas o problema é que só a matilha de políticos e togados podem peidar todo tipo de peido (estalinho, murmurante, estrondoso, balanceado) o povão peida pra dentro por ar comprimido, nem dá mais para peidar pois a barriga vai se comprimindo devagar por falta de feijão, arroz e outros ingrediente necessários ao peido sadio. A classe média sente falta da gasolina para fazer seus carros peidarem a vontade e, enquanto isso, Trump (ou trampa) e o oriente ameaçam explodir a Terra com um estrondoso peido atômico. A crônica do peido pode ir longe nessa cagada geral. Passamos do discurso político para o escatológico nessa cagada geral!
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