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Os conflitos na área rural aumentaram sensivelmente durante o Governo FHC. O banqueiro Andrade Vieira, ministro da Agricultura, responsabilizou “agitadores profissionais” pela violência no campo. Outras fontes chegaram até mesmo a jurar que o Movimento dos Sem-Terra (MST) estava infiltrado por agentes do Sendero Luminoso – a organização terrorista peruana.
Em vez de ficar procurando chifre em cabeça de elefante, seria mais correto analisar a situação da concentração fundiária no País. Em sua intervenção no IV Encontro Nacional dos Seringueiros realizado recentemente em Brasília, o antropólogo Alfredo Wagner de Almedida mostrou as próprias falhas do cadastro do INCRA.
Segundo o antropólogo, cujo depoimento foi publicado em agosto de 1995 no Boletim do Instituto Sócio-Ambiental – “Parabólicas” – os dados do INCRA relativos à concentração da Região Norte, de 1992, estão subestimados em 50%. As fontes informativas não são fidedignas, porque os poucos dados se baseiam em autodeclarações dos proprietários, quando não se recusaram, em muitos casos, a fornecê-los. Isto revela a falta de interesse político em conhecer a real situação fundiária.
Confrontados com outros dados do Cadastro, as informações apontam para uma diminuição de imóveis de pequenas dimensões e, ao mesmo tempo, um aumento do latifúndio, o que significa um crescimento da concentração.
Os dados de 1985 (ano base 1984) registram na Região Norte um total de 69.987 latifúndios, que medem 99 milhões de hectares, representando 79,4% da área cadastrada do País. A inclusão da denominada Amazônia Legal desde 1966 elevaria esse total a 140 milhões de hectares. Quanto aos posseiros, o Censo Fundação IBGE (1985), que analisa a relação de “ocupantes” da Amazônia com a extensão territorial e o número de estabelecimentos em determinadas áreas, conclui que eles se concentram no Oeste do Maranhão, no Sul do Pará e no Tocantins, ocupando pequenas áreas consideradas “zonas críticas” de maior tensão social.
Esses dados técnicos produzidos por órgãos do Governo e, portanto à disposição de qualquer pessoa, assinalam por um lado, que a área de ocupação dos posseiros é onze vezes menor que os imóveis registrados como latifúndios e, por outro lado, a dominialidade – titulação de terras – tem sido sistematicamente negada aos posseiros, agricultores, extrativistas e aos povos indígenas.
Estas terras identificadas, delimitadas e homologadas – estimadas em 91 milhões de hectares – foram e continuam sendo invadidas por madeireiras, mineradoras e pecuaristas com a omissão cúmplice do Estado.
O antropólogo Wagner de Almeida conclui que “a tendência à concentração e ao uso indevido da terra pelo latifúndio têm sido acompanhados de um aumento generalizado de conflitos sociais, em função da usurpação de terras indígenas e de camponeses. Abrange uma série de antagonismos e de interesses referentes não só à dominialidade, mas ainda às relações de trabalho e à circulação de produtos agrícolas.
Enquanto o Governo não tomar medidas políticas destinadas a modificar esta estrutura fundiária do País, os conflitos de terra só tendem a agravar-se. A presidência do INCRA ocupada por um militante da UDR e dos ruralistas, Basílio de Araújo Neto, equivalia a deixar a raposa tomando conta do galinheiro. Por isso, não deixa de ser uma vitória do MST a nomeação do novo presidente do INCRA, Francisco Graziano, um estudioso da questão agrária no Brasil. Resta aguardar o que ele fará.