“Oh Deus, perdoa esse eleitor coitado / que nas ‘Diretas Já’ gritou um bocado / pedindo urnas pra poder votar./ Oh Deus, será que o Senhor se zangou / e só por isso se arretirou / deixando a bandidagem se candidatar. / Oh Deus, se eu não rezei direito o Senhor me perdoe / eu acho que a culpa foi / deste pobre que nem sabe fazer oração”.
Oh Senhor, queríamos tanto votar, que em 1984 saímos às ruas no movimento ‘Diretas Já’, rezando e clamando pela aprovação da Emenda Dante de Oliveira. Lá, nos comícios, enquanto os fartos seios da Fafá de Belém arfavam cantando o hino nacional, o nosso peito varonil, bem sintonizado, elevava preces aos céus, implorando que chovessem candidatos em nosso roçado eleitoral. Se fossem muitos, poderíamos escolher o melhor para nos governar.
As nossas súplicas foram ouvidas. Choveu. Mas choveu além da conta. Uma tempestade de candidatos espertalhões, malandros e ruins de rima inundou o país, afogando os eleitores nas urnas, confundindo-os. Oh Senhor, nós pedimos pra chover, mas chover de mansinho, pedimos pra ditadura sair de fininho, pra ver se nascia democracia com a eleição. Mas veja, Senhor, o que está acontecendo em todos os cantos do país.
Alagoas - Elle outra vez? Não, Senhor! Piedade! Clemência! Conquistamos o direito de votar e logo na primeira eleição escolhemos um filhote da ditadura que o pariu, travestido de ‘caçador de marajás’. Erramos. Corrigimos o erro, derrubando o esquema PC Farias, que recolhia a bufunfa através de ‘contas fantasmas’. Agora, elle volta pelo PTB (vixe) pra governar Alagoas, purificado pelo jingle cujos versos cantam: “É Lula apoiando Collor, é Collor apoiando Dilma pelos mais carentes. E os três pelo bem da gente”. Um escárnio! O PT local conseguiu vetar a rima duvidosa. Elle mudou, mas continuou desafiando com a rima fácil do Egberto Lurian Batista e o jingle ficou assim: “Não adianta, o povo sabe quem tá apoiando quem. O povo tá decidido e vai apoiar também”. Oh Senhor, por que nos castigas assim? Envia-nos, Senhor, o Espírito Santo e junto com ele o motorista Eriberto França para refrescarem a memória do eleitor.
Com elle, vem o candidato ao senado, Renán Calheiros (PMDB, vixe), o do Renan-gate, o das rádios em nome de ‘laranjas’; o traficante de influência junto à Schincariol; o usuário de notas fiscais frias em nome de empresas fantasmas; o da montagem de um esquema de desvio de dinheiro público em ministérios comandados pelo PMDB. Não permita, Senhor, que Collor e Renan se reelejam. Chama os cara-pintadas, Senhor, e contrata um poeta que pelo menos rime “quem” e “ também” com “homem-de-bem”.
Brasília – Oh, Senhor, a democracia fica ferida com Joaquim Roriz (PSC vixe!), 74 anos, quanto mais velho, mais escândalos: acordo com bicheiro, desvios de verbas, superfaturamento da merenda escolar, cinco inquéritos no STJ, seis notícias crimes, improbidade, falsidade ideológica, crimes contra a fé pública. Governador de Brasília nomeado por Sarney, em 1988, ele foi reeleito três vezes com o voto popular. Nós te suplicamos, Senhor, se for tua vontade punir o eleitor, cegando-o uma vez mais, elege o Roriz, mas retira antes sua cueca e suas meias, deixa-o despido, nu, e tapa o seu fiofó com cimento como se fosse um poço de petróleo no Golfo do México, para que ele não tenha nenhum buraco onde esconder o caixa dois. Faz o mesmo, Senhor, com Agaciel Maia (PTC, vixe), candidato a deputado distrital.
Maranhão – Oh Senhor, quanto mais rezo, mais assombração me aparece. Lá vem, outra vez, Roseana Sarney (PMDB, vixe), filha do atraso e do coronelismo, das 15 mil marmitas, de R$ 1.340.000,00 não-declarados, acusada em escândalo de corrupção com a empresa Lunus Participações da qual é sócia, de peculato, de estelionato e de formação de quadrilha com Jorge Murad. O processo foi arquivado e ela recebeu apoios para se ‘purificar’, denuncia Flávio Dino (PCdoB/MA): “O dono do Maranhão, o dono do mar, agora acha que é o dono da Dilma”. José Sarney (vixe) legou a capitania hereditária pra sua filha, da mesma forma que o deputado ficha-suja Fufuca Dantas (PMDB/MA, vixe) cedeu seu lugar ao filho de 21 anos, o André Fufuca, conhecido como Fufuquinha. Eles se multiplicam como cobra de sete cabeças. Oh Senhor, nem que Lula peça de joelhos, nem que a Dilma tussa, não permita que eleitores votem em fufuquinhas. Que votem em Flávio Dino, Senhor! Desculpa, Senhor, eu pedir a toda hora pra chegar o inverno, desculpa eu pedir pra acabar com o inferno, que sempre queimou o meu Maranhão, o estado mais saqueado da Federação.
Pará – Oh, Senhor, procura, está lá, no Arquivo do Banco Central, na estante 05, prateleira 01, caixa 1876, o processo número 9200047419, que tem 2.509 páginas em nove volumes. Lá Jader Barbalho (PMDB, vixe, vixe) é acusado de ter desviado 10 milhões do Banpará. O Conde de Abacatal, o homem do desvio de R$ 16,7 milhões da Sudam, acusado de “ladrão” pelo seu colega Toninho Malvadeza, está de volta como candidato ao Senado, com seus braços que já foram algemados, com suas mãos que já foram beijadas e com sua curriola que rima Barbalho com o quê mesmo? Oh, Senhor, será que tu não entendes quando rezo em português? Then, I will ask you, my Lord, fuck Jeider Barbeilho and his gang. Faz isso, Senhor, em nome da saúde pública.
Roraima – Lembra-te, Senhor, os “gafanhotos” comeram a folha de pagamento do Estado de Roraima e sugaram suas últimas energias, desviando mais de R$ 230 milhões dos cofres públicos. Agora, estão de volta os três mosqueteiros inimigos dos índios: Neudo Campos, José de Anchieta e Romero Jucá (ex-PSDB, atual PMDB, futuro PT?), esse último fiel líder do governo FHC e agora líder fidelíssimo do Governo Lula no Senado, acusado de ter oferecido sete fazendas inexistentes como garantia para um financiamento do Banco da Amazônia, entre outras denúncias, incluindo desvio de R$ 4,9 milhões destinados à coleta de lixo em 18 bairros da capital roraimense na gestão da prefeita Teresa Jucá. Senhor, não deixa que o eleitor roraimense sofra de amnésia.
Outros Estados – Olha, Senhor, pra qualquer lado que a gente se vire, lá está a fina flor da malandragem. É Anthony Garotinho (RJ), André Puccinelli (MS), Iris Rezende (GO). Em São Paulo, Maluf – o Maluf, Senhor, ele mesmo, o Paulo Salim - e o Quércia, o que quebrou o Banespa. São tantos por todo o Brasil, a maior parte deles – os mais espertos – com “ficha limpa”, porque sequer deixam rastros e tem mais advogados do que eleitores. No Amazonas, fica a perplexidade do leitor H. Romeu Pinto: o que fazer?
Os vices – Oh, Senhor, será que vice tem de ser podre? Esse paspalhão Antônio Pedro de Siqueira Indio da Costa (DEM – vixe, vixe), tão jovem, mas já engatinhando vorazmente nas suas primeiras trapaças. E o Michel Miguel Elias Temer Lulia, o mordomo de vampiro, acusado de depredar e grilar área de reserva ambiental e de recorrer a grileiros e a servidores do governo de Goiás para obter títulos de propriedade fraudados?
Foi para isso, Senhor, que lutamos tanto? Para escolher entre o pior e o ‘menos pior’? Oh, Senhor, não mate nossas esperanças. Precisamos crer na democracia e na política, uma arte tão nobre, que não devia ser assim enlameada. Tende piedade de nós, Senhor, da nossa desinformação que nos leva a votar contra nossos interesses históricos, que nos impede de identificar quem são nossos aliados e quem são nossos inimigos, que nos transforma em eleitor ficha-suja. Tende piedade de nossos formadores de opinião que não encontram o caminho pra abrir os olhos dos demais e, às vezes, sequer os próprios olhos.
Ajuda-nos, Senhor, a mobilizar nossas forças para conquistar uma reforma política com mudanças na legislação sobre as eleições e o financiamento das campanhas. Precisamos aperfeiçoar a democracia, elegendo representantes comprometidos com a causa pública, inclusive candidatos da oposição, limpos, vigilantes e críticos, porque nenhum sistema democrático sobrevive sem oposição sadia. Embora definitivamente não saibamos rezar, nós te suplicamos, Senhor, não consinta que o capital ético deste País seja dilapidado. Livra-nos, Senhor, dos Collor, dos Sarney, dos Maluf, dos Roriz, dos Barbalho, dos Quércia, dos Jucá. Amém.
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Ilustração: AIPC – Atrocious International Piracy of Cartoons