.- Olha aí, gente! Olha o “terceiro ciclo” do Amazonino arrebentando no Lago do Catalão, município de Iranduba! O tenor José Carreras, que homenageou a Andaluzia no Teatro Amazonas cantando Granada, poderia muito bem ter celebrado sua terra natal, a Catalunha, entoando:
- Iranduba tierra soñada por mi. Tu cantar se vuelve gitano pererê pão duro…
Se fosse em abril, o Carreras daria uma canja na “Festa do Repolho”, em Careiro da Várzea.
Quantos habitantes tem o município de Iranduba? Mais ou menos umas 20 mil almas, ou seja, uns 40 mil braços que produzem hortaliças, laranjas, mamão, milho e farinha. E peixe. Com o suor de seus moradores, Iranduba ajuda a matar a fome da população de Manaus, contribuindo para o abastecimento da nossa cidade.
Dentro do município, existe uma comunidade conhecida como “Catalão”, situada a 25 quilômetros de Manaus, à margem esquerda do rio Solimões, composta de 58 famílias num total aproximado de 300 pessoas, que moram em casas flutuantes e vivem da pesca. Lá só existe escola primária de 1ª a 4ª série. As famílias, cujos filhos desejam continuar estudando, têm três opções:
1. Mudar-se definitivamente para uma favela de Manaus. Mas aí as crianças correm o risco de passar fome e podem rapidamente se converter em “meninos de rua”, com ameaças de pegarem porrada da polícia e do Lupércio Ramos, o bicho-papão do terceiro-ciclo, que preside o Instituto Estadual do Bem-Estar do Menor.
2. Transferir-se para a sede do município de Iranduba distante 4 horas de navegação. Isso implicaria abandonar suas casas e suas roças, sem garantia de encontrar teto, terra e água e ainda por cima com o risco das más companhias, isto é, de conviverem com o Nelson Maranhão, então prefeito municipal.
3. Transportar as crianças até a escola da sede do município mais próximo – Careiro da Várzea – distante apenas meia hora de motor, o que permite continuar plantando suas verdurinhas em Catalão e pescando no lago.
O barco-escola
A opção mais sensata é a terceira. Por isso, foi escolhida por dona Maria do Carmo, quando em 1992 dois de seus filhos e mais outros sete alunos tiveram que cursar a 5ª série. Com muito esforço, dona Maria do Carmo poderia pessoalmente migrar para Manaus. Mas nesse caso, as outras crianças ficariam sem estudar. Ela decidiu, então, morar de segunda à sexta-feira perto da escola, no Careiro, ficando responsável pelos meninos.
Uma doença grave prostrou dona Maria do Carmo e detonou o esquema. Aí, para que as crianças continuassem estudando, era necessário fretar um barco, que as levasse de manhã e as trouxesse à tarde. Os plantadores de verdura do Catalão não tinham grana para isso. Conseguiram a ajuda de uma amiga, que pagava a metade, as famílias dos alunos a outra metade.
No ano seguinte, em 1993, o número de estudantes subiu para 14. A comunidade do Catalão pediu ajuda ao prefeito de Iranduba e ao Secretário Estadual de Educação, enquanto continuava pagando a metade do aluguel do barco. Os apelos foram inúteis. Em 1994, quando os alunos já eram 18, o prefeito de Iranduba mandou, em abril, um barco velho e caindo aos pedaços, retirando-o depois de duas semanas, sem qualquer explicação.
Desesperados, pais e mães começaram uma via sacra pelo corredores burocráticos das repartições públicas. O então secretário municipal de Educação prometeu ajudar, enrolou daqui, costurou dali e empurrou com a barriga para o Secretário Estadual de Educação. Este, em pleno ano eleitoral, mandou a SEDUC pagar o aluguel do barco, o que aconteceu somente durante dois meses. Depois da eleição, cortaram o pagamento. O dono do barco ameaçou suspender o serviço. A comunidade teve que se virar para terminar o ano letivo.
O Terceiro Ciclo
Chegou, enfim, o governo do Terceiro-ciclo, em 1995, quando os alunos do Catalão já eram 33. O governador Amazonino, bacabeiro, contou farofa, disse que fazia e acontecia, que o interior receberia todo o apoio para a produção e blá-blá-blá e lesco-lesco. A comunidade do Catalão – coitada! – acreditou. Procurou o novo Secretário de Educação, José Mello Merenda.
- Deixa comigo. No Terceiro-Ciclo nenhuma criança vai parar de estudar por falta de transporte ou merenda – declarou enfático esta autoridade. A SEDUC pagou, então, o frete, mas só até julho, quando o Mello Merenda – parece – descobriu que eleitor de Iranduba não vota pra prefeito de Manaus. Ele foi, pessoalmente, avisar ao dono do barco que não continuasse transportando os alunos, pois não pagaria mais. As crianças passaram a ir à aula, em canoas emprestadas, enfrentando os perigos da travessia do rio Solimões e do encontro das águas numa canoa frágil.
Em 21 de dezembro de 1995, em clima natalino, a coordenadora da Pastoral da Criança, Nádia Vettori, enviou ofício à Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), em Brasília, solicitando ao Programa Nacional de Transporte Escolar (PNTE) a solução do problema que afetava agora mais de 40 crianças do Catalão.
A coordenadora do PNTE, Edileusa Santana da Silva, com surpreendente agilidade, respondeu informando que no dia 29 de dezembro a FAE havia assinado convênio com a SEDUC para atender o problema de transporte de alunos nas regiões periféricas de Manaus. Com esta informação, Nádia Vettori procurou o responsável pela FAE no Amazonas, o João Ribeiro.
O Joãozinho – quem te viu e quem te vê – é agora um homem importante, muito ocupado, com agenda cheia, parece até que trabalha. No intervalo entre vários telefonemas, ele informou que não está sabendo de nada, que não pode fazer nada, que estava muito assoberbado, que a SEDUC é que devia saber. Só faltou dizer:
- Não enche o saco, Nádia. Vai procurar o Zé Mello, vai.
Ela foi. No dia 14 de fevereiro, José Mello Merenda recebeu a Coordenadora da Pastoral da Crianças. Afável e gentil, Zé Mello garantiu que a SEDUC se limitou apenas a repassar a verba para a Prefeitura. A Secretaria Municipal de Educação confirmou:
- Foram R$ 70.000,00, mas isso não é suficiente para pagar o freto das crianças do Catalão.
Quer dizer: tudo voltou à estaca zero. Mais de 40 alunos e alunas do Catalão continuam sem transporte escolar – um direito que lhes é assegurado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelas leis federais, estaduais, municipais.
O governo do Terceiro-ciclo é mesmo uma grande fábrica de meninos-de-rua. A quem devemos pedir socorro? Será que o João Ribeiro e o Zé Mello Merenda querem nos obrigar a recorrer ao Luís Fernando Nicolau, para que ele fiscalize lá por Brasília porque esta grana não está sendo usada no transporte escolar?
Socooooooorro, dona Edileusa Santana da Silva! Dê um puxão de orelha no Joãozinho Ribeiro para ver se ele se mexe. As crianças do Catalão não podem ficar sem escola.
P.S. – Nádia, maninha, fica no pé desses caras. Não desanima.